Quando todos estão tontos e felizes de vinho eu deixo a festa para trás para ficar sozinho com meus pensamentos e esta mente girando através dessa noite indefinida mas ali ela fica e ela anda quase como você – ela agora parece mais com você, como era, do que você parece com você, como era; essa tautologia. Por um segundo eu penso ter um vislumbre de quem ela é realmente, o sorriso alcança os olhos, nesse momento uma mudança sutil então eu prendo a respiração e focalizo o copo, talvez eu possa dizer boa noite pra me despedir mas a palavra não sai, tento lembrar quem teve a ideia imbecil de nos colocar entorpecidos sob a mesma escuridão sobre a mesa de bilhar ela se inclina o sorriso alcança os olhos enquanto tenta alcançar o bola branca
‘vamos jogar’
convida como se eu tivesse escolha mas eu não tenho e sabemos e até você sabe disso
‘vamos’
ela ainda se estica apoiando na mesa pois muito tonta e feliz de vinho e a mente girando, eu me apoio bem ao lado dela e suspiro, todo mundo sabe que pra saber se uma pessoa quer te beijar basta suspirar bem perto dela, ou umedecer os lábios, se ela te imitar, os desejos são os mesmos quando eu percebo já me encaixei, o quadril segurando nas coxas a boca buscando as gotas do pescoço salgado e ela se curva e me procura e me põe mais perto e busca o que trago guardado nas calças eu acho as curvas do lóbulo direito ela ondula exatamente igual você. E me empurra
‘para’
sabendo que não vou parar, você mais bêbada que eu se aproxima descalça os sapatos pendendo nas mãos desajeitadas
‘não acredito’
você acredita sim essa não é a primeira vez que você vai me perdoar, só se perdoa o imperdoável; o perdoável já o está. até porque foi você quem a convidou. tertium non datur, essa expressão que você tentou me explicar e eu nunca entendi
‘para’
ela repete assustada num gosto de absinto que me deixa excitado e verde e você não deixa de nos olhar como se nos olhos tivesse cordas para me puxar dali com seu desprezo que alimenta minha sede ela sente e se vira
‘você não quer’
eu pergunto e você bate a porta nos deixando, o som ecoando como um furo de lucidez, a luz passando por um emaranhado de efeitos, um círculo com pequenas lucidezes escapativas, quando as percebo já afundaram em seus buracos de clareza, eu as perco
‘eu quero’
ela responde dentro da minha boca a língua em movimentos, respira mais fundo, eu queria que você visse isso, as bolas todas espalhadas
‘você quer’
eu puxo calcinha para o lado pra passar, mas ela fecha os olhos feito não quisesse ver, prevejo ela batendo a porta bem atrás de você, mesmo assim eu tento passar, ela desvia, desencaixa, ela diz após eu morder o lábio
‘eu não quero’
a bola branca bate na número 8 e não encaçapa
‘eu não quero desse jeito’
e escurece o gesto, o lábio numa gotícula, era para ser seu sangue!, ela tem o seu sangue; é seu sangue que eu quero – eu te amo – porque você desejaria exatamente desse jeito, vinho confuso na sua boca sangue no nosso beijo, eu me enganei, você já explicou, acho que agora entendo. Tertium non datur: nenhuma terceira possibilidade é dada.
‘eu não quero’
eu digo.
Esse conto foi inspirado pela música Sisters, do Pain of Salvation.
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