Visitei a terra natal do escritor de Pequena Sereia e outras histórias nada infantis
No Museu Nacional de Belas Artes de Copenhagen, uma escultura permanece tanto parada quanto em fuga, a ambiguidade que as histórias magníficas possuem. Em 2017, enquanto fazia um curso de literatura na Casa Guilherme de Almeida, conheci Hans Christian Andersen, um escritor delicado e brutal na mesma medida. Perto dessa época, fui presenteada com o exemplar 'O patinho feio e outras histórias' da editora 34. Li História de uma mãe durante a madrugada para a aula no sábado de manhã. Não lembro se foi numa sexta-feira 13 mas, certamente, aquela era uma história de terror.
O homem que eu amo tem um exemplar dessas mesmas histórias, um pouco mais antigo e, na versão dele, História de uma mãe se chama "História da Mãe" e eu gosto disso porque somos muitos parecidos, embora ele seja da década do rock psicodélico LSD flores hippies, e eu, do grunge capitalismo global suicídio.
Escultura "Morte e a Mãe" (1892) de Niels Hansen Jacobsen. A mulher - a mãe -, chora caída no chão enquanto a Morte leva seu filhinho.
A escultura foge com o bebê, roupas esvoaçantes, pouca carne para muito osso. Eu não conhecia o frio até então. O conto me impactou tanto que virou referência de meu romance 'Para onde atrai o azul', escrito no ano seguinte e publicado no último Setembro. Minha personagem passa por algumas feridas semelhantes às da Mãe. Para não dar spoilers óbvios: cabelos caindo, fagulha no olho, a voz que não sai e o sangue sangue sangue. Mas, ao contrário da Mãe, que perde tudo para figuras fantásticas diversas, minha personagem é desmembrada por um único homem bastante real.
"O velho, que era a própria Morte, trazia na mão direita uma foice. E na esquerda, uma ampulheta. Era pleno inverno. A geada era forte."
Pelos anos que seguiram, eu não entendia por que a Morte levou o bebê, o que isso queria dizer. Eu não conhecia o frio até então, esse frio cheio de vento que pode tão facilmente levar embora um bebê a qualquer momento, uma pessoa adulta. Caminhava do museu a uma loja de donuts e sentia o vento me empurrando. Não à toa, a Dinamarca produz 140% de sua energia a partir dos parques eólicos e distribui o excedente a outros países. Quando as vestes da Morte esvoaçam, não é só porque está correndo; é o vento de inverno que mostra sua força; rápido, gelado e úmido.
Lemos História de uma Mãe com a única dúvida: ela resgatará seu bebê?
"A Morte corre mais rápido que a luz e nunca traz de volta o que leva."
O homem que eu amo me desencontrou nas décadas e me sinto correndo em busca do Tempo, esta criatura tão poderosa quanto a Morte. Cheguei tarde e é certo que não viverei o rock psicodélico LSD flores hippies, para mim sobrou o grunge capitalismo global suicídio. Mas penso que
(ainda que eu não resgate meu Amor)
o velho carrega consigo uma ampulheta-Tempo e uma foice-Morte porque elas são o mesmo. Apesar de gêmeos, enquanto o Tempo às vezes é breve, a Morte é sempre eterna.
Em volta da ilha é tudo mar. E o mar significa Adeus, se despedir. Copenhagen significa porto, às vezes é possível viajar e voltar. Voltar, se possível.
Tudo que acaba morre?
O inverno tira facilmente uma vida, mas quando não tira, não esfria em nada os sentimentos que viajam comigo, por mais que eu gostaria. O contraste entre o que atinge minha pele por fora e o que me incendeia por dentro só faz confirmar. Vejo quadros esculturas paisagens com o homem que eu amo grudado no meu olho, não importa a quantos Portos eu chegue e dos quais me vá.
Nem tudo que morre acaba, eu tenho certeza.
Adorei. Precisamos, muito, conversar sobre esse post.